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Esqueceram de nós?


Fonte: Terra Magazine - São Paulo,SP,Brazil

Semana passada eu encontrei um amigo empresário indiano e ele disse uma coisa que me deixou pensando: "Esta é a primeira vez que eu visito os Estados Unidos com a sensação de que vocês estão agindo como uma democracia imatura".

Você sabe do que ele está falando: estamos numa crise financeira inédita e ainda por cima baixamos o nível político mais do que o normal. Parece que não há adultos no comando - ninguém acima das preocupações, ninguém impelido a fazer algo de maior relevância do que apenas a pauta do dia. Em vez disso, o congresso está criando, de uma hora para outra, leis tributárias punitivas como se fôssemos uma república das bananas; o nosso presidente está preocupado em fazer piada no programa de Jay Leno na televisão, comparando sua habilidade em jogar boliche com a de alguém com Síndrome de Down; e a oposição está se comportando como se a sua única prioridade no momento fosse destruir aos poucos a popularidade do Presidente Barack Obama.

Eu vi Eric Cantor, líder da Casa Republicana, na CNBC um dia desses, e a entrevista toda se resumia nele tentando explorar a situação da AIG para ganho próprio, sem um raciocínio construtivo sequer. Eu fiquei olhando para ele e pensando: "Você não tem filhos? Você se preocupa com a aposentadoria? Por um acaso você vive em uma comunidade fechada em que todos os bancos ficam bem, mesmo quando os bancos maiores afundam? Você realmente acredita que o seu partido ganha automaticamente se o país perder? O que passa na sua cabeça?"

Se você quer garantir que os Estados Unidos se tornem uma nação medíocre, continue ridicularizando qualquer figura pública que tropeça uma vez ao tentar encontrar uma saída para a crise - como o Secretário do Tesouro, Timothy Geithner, ou o CEO interino com salário de um dólar da AIG, Ed Liddy - para certificar-se de que nenhum profissional capaz chegue ao governo. Você vai garantir que todos os bancos tomem o dinheiro público e tentem se livrar dele o mais rápido possível, para não serem julgados, mesmo sabendo que isto iria abalar seus cofres e incapacitá-los a emprestar dinheiro. E você vai garantir que nunca saiamos desta crise bancária, porque a solução depende da utilização de fundos monetários privados em colaboração com o governo para esgotar os bens tóxicos - e os gerentes de fundos estão morrendo de medo de ter qualquer ligação com o governo.

Com a AIG, Obama perdeu a oportunidade de dar uma grande lição. Aqueles bônus eram um absurdo. A fúria do público era justificada. Mas em vez de alimentar as chamas e deixar o Congresso enlouquecer, o presidente deveria ter dito: "Deixem comigo".

Ele deveria ter entrado em rede nacional e convocado o povo americano para um bate-papo honesto, como há muito precisamos. Nesta conversa, ele explicaria exatamente as dimensões da crise em que estamos, o quanto de sacrifício será necessário fazermos para sair dela e então chamaria aqueles corretores da AIG - e todos aqueles que ganharam bônus que não mereciam, por causa da nossa sede de curar o sistema bancário - e diria a eles que seu presidente os estava pedindo para devolver os bônus "em nome de seu país".

Se Obama tivesse incumbido os corretores da AIG de fazer algo de grande responsabilidade, uma grande missão nacional, eu aposto que eles já teriam nos recompensado pelo dinheiro que tomaram. Inspirar uma conduta dá muito mais resultado do que recorrer à coerção. E isto teria elevado o presidente ao seu lugar de direito: acima das picuinhas do Congresso.

"Não há nada mais poderoso do que uma liderança inspiradora que provoca atos de integridade para uma grade causa", disse Dov Seidman, o CEO da LRN, que ajuda empresas a construir uma cultura ética e autor do livro "How". O que faz uma empresa ou governo "sustentável", disse ele, não é a imposição de mais regras e normas repressivas para controlar atitudes. "Mas quando os funcionários ou cidadãos se sentem inspirados por valores e princípios para fazer a coisa certa, sem importar a dificuldade da situação", disse Seidman. "As leis dizem o que podemos fazer. Os valores nos inspiram a fazer o que devemos. Cabe ao líder inspirar em nós estes valores".

No momento estamos carentes de uma liderança inspiradora. Do empresariado ouvimos que há instituições grandes demais para cair - não importa o quão irresponsáveis sejam. Dos banqueiros, ouvimos falar de contratos muito sagrados para serem quebrados - não importa o quão inadequados. E dos nossos imaturos oficiais eleitos ouvimos que tudo foi "culpa daquele outro cara". Eu tenho, mais do que nunca, conversado com gente que me diz: "Sabe, eu vejo as notícias e fico muito deprimido".

Bem, pode ser que a ajuda esteja finalmente a cominho: uma das razões pelas quais evitamos falar dos bônus por um tempo foi a grande e verdadeira questão: o plano abrangente arquitetado pelo presidente para remover os bens tóxicos de nossos bancos aflitos, essencial para a nossa recuperação econômica, mas que demorou a dar as caras. Então, todas as questões menores ganharam importância e confundiram as pessoas no vácuo. Esperamos que o plano seja apresentado até segunda-feira e esperamos que o presidente mobilize o país em torno dele e esperamos também que os legisladores que precisam aprová-lo se lembrem de que este é um momento para práticas políticas excepcionais - e que o nosso país não é tão grande que não possa cair. Esperamos...


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